terça-feira, setembro 30, 2003

Roubo Mínimo Garantido

Que táxis temos em Lisboa? Das minhas experiências próximas, temos:
  • Viagens demasiado caras. É difícil fazer qualquer viagem por menos de 5 euros. Por exemplo, uma viajem de 5 minutos entre o aeroporto e Xabregas custou 5 euros.
  • Carros de praça indignos. Por exemplo, Opel Corsa com bancos de trás sem condições.
  • Motoristas criminosos. Já houve dois casos de motoristas a adormecer em semáforos vermelhos!

No noticiário da manhã de ontem na Antena 1, fui surpreendido pela notícia da negociação de um custo superior para as viagens a partir do aeroporto. Alguns pontos da notícia:

  • O custo extra pode vir a ser um consumo mínimo a partir do aeroporto, ou uma taxa adicional semelhante à actual taxa de bagagem.
  • O custo extra compensa a longa espera (voluntária) dos taxistas pelos clientes. O tempo médio de espera na praça do aeroporto é de 1 hora, mas por vezes chega às 3 horas.
  • O custo extra é reivindicado pelos "taxistas do aeroporto", embora qualquer taxista possa ir apanhar clientes à praça do aeroporto.
  • O custo extra terá como contrapartida uma maior exigência aos taxistas, embora nenhum dos intervenientes na Antena 1 tenha especificado o que seria exigido.

Na minha interpretação cínica desta notícia, os factos parecem-me ser os seguintes:

  • Os "taxistas do aeroporto" preferem esperar 3 horas pelo "serviço do dia", um viajante sem alternativas a não ser apanhar um taxi, a fazer uma série de pequenos serviços. Num dos comentários, um taxista desprezou os serviços de 2 ou 3 euros; na minha experiência, um serviço de 3 euros é uma distância que poderia ter sido feita a pé!
  • Com a aproximação do Euro 2004, os "taxistas do aeroporto" receiam a "concorrência desleal" que os restantes taxistas de Lisboa lhes venham a fazer.
  • O custo extra premeia a espera estúpida dos taxistas dispostos a essa mesma espera.
  • A "exigência acrescida" será uma qualquer exigência burocrática que impedirá os restantes taxistas de, ocasionalmente, apanhar clientes no aeroporto.

Ou seja, creio que o verdadeiro objectivo deste custo acrescido é criar uma classe de taxistas privilegiados que terão acesso exclusivo ao "filão" de turistas que chegarão a Lisboa durante o Euro 2004.

Para mim, o único verdadeiro problema dos taxistas no aeroporto é não terem forma de prever o tempo de espera. Vejo duas soluções simples:

  1. Limitar o número de táxis no aeroporto. Se o taxista chega ao aeroporto e o parque de táxis está cheio, que procure serviço noutro lado ou que volte mais tarde.
  2. Anunciar num placard visível pelos taxistas quantos passageiros devem aterrar durante a próxima hora, ou quantos aterraram na última meia hora. Com essa informação, o taxista já poderá avaliar se quer ou não esperar.

Como medida pedagógica, creio que o governo ou a câmara deveria baixar a bandeirada durante o Euro 2004. Afinal, se há mais serviços, também haverá menos espera entre serviços! Ou seja, não haverá tanta necessidade de compensar os taxistas pelo "incómodo" de esperarem pelos clientes!

A questão final é saber se a cidade de Lisboa vai garantir aos "taxistas do aeroporto" um roubo mínimo garantido, ou se vai exigir a todos os taxistas, começando pelos que frequentam o aeroporto, um mínimo de regras de serviço...

quarta-feira, setembro 24, 2003

"Em vez de ir ao ginásio vá ao frigorífico"

Hoje vi um painel publicitário numa paragem de autocarro de Lisboa (perto do Jardim do Tabaco) com um anúncio a uma bebida "activa" Lipton Fusion com o seguinte título:

"Em vez de ir ao ginásio vá ao frigorífico"

Mais abaixo, a menção "única bebida activa com chá".

Tanto quanto percebo pelo site, trata-se de um vulgar sumo de frutas com cenoura, chá e vitaminas.

Creio estarmos perante publicidade enganosa da pior espécie, pois nenhuma bebida pode substituir os benefícios do exercício físico.

Já me chega tentar convencer a minha filha de 6 anos que os produtos anunciados nem sempre são necessários... mas é um assunto totalmente diferente quando um anúncio mente descaradamente e a mentira tem consequências para a saúde.

Solicitei à DECO, enquanto sócio, que se ocupe deste assunto, quer recorrendo aos mecanismos legais, quer denunciando a situação na revista PROTESTE.

Entretanto, sugiro aos leitores que boicotem os produtos da Lipton e, possivelmente, da sua casa mãe, a Unilever.

terça-feira, setembro 23, 2003

Estado Novo ou Novo Estado?

Um colega meu chamou-me hoje a atenção para a melhor notícia que li nos últimos tempos: o Diário Digital afirma que o governo quer finalmente pôr em causa os tabus fundamentais da função pública:
  1. O emprego para a vida, que significa que não é preciso pensar para além do serviço onde se está;
  2. A não avaliação, que significa os funcionários não se precisam de se esforçar pois nunca são penalizados;
  3. A progressão automática, que significa que mesmo os que não se preocupam ganham mais com o tempo.
  4. A estabilidade no serviço, que significa que, como todos os funcionários desempenham funções essenciais, nenhum pode ser dispensado.

Claro que os sindicatos argumentam que não é nada disso:

  1. A estabilidade é necessária para proporcionar os melhores serviços aos cidadãos, independentemente do partido que governa;
  2. Os funcionários são avaliados todos os anos, só que são todos muito bons;
  3. A progressão não é automática, pois só os melhores é que progridem, embora felizmente progridam todos pois são todos muito bons.
  4. Não há funcionários a mais, uma vez que não foi preciso colocar funcionários na lista de excedentários.

Pelo que percebi ao longo do dia, as propostas do governo contemplam o seguinte:

  • Um funcionário com contrato individual não pode ganhar mais que um funcionário público a fazer o mesmo trabalho. Isto parece-me da mais elementar justiça: o governo Guterres criou institutos públicos que duplicam as funções de serviços públicos, mas seguindo regras diferentes de remuneração. Ora, se a função pública está mal, mude-se! Pelo menos as remunerações dos técnicos informáticos estavam absolutamente fora do mercado. Por outro lado, também vi secretárias "convertidas" à carreira informática apenas para poderem ganhar mais...
  • Os funcionários podem ser despedidos por lay-off ou por extinção do posto de trabalho. Parecem ser as mesmas condições previstas para os trabalhadores fora da função pública, pelo que a aplicação das mesmas regras aos funcionários públicos também me parece de elementar justiça. Tendo tido de pedir a bons colegas meus que deixassem de livre vontade a empresa que me emprega, não posso defender que os funcionários públicos estejam magicamente imunes ao mesmo.

Tenho a certeza que os sindicatos da função pública convocarão múltiplas greves para protestar contra a destruição da função pública, greves essas que "por acaso" acontecerão maioritariamente a Sextas-feiras ou a vésperas de feriados.

Pelo meu lado, havendo manifestações a favor do governo, farei o possível por participar. É que suspeito que é em torno desta questão que se vai decidir se ganha o Estado Novo ou o novo estado.

terça-feira, setembro 16, 2003

Quanto Estado Novo

Um artigo no jornal Público de 3 de Setembro afirma que o Instituto Nacional de Estatística calculou o valor máximo da propina a pagar pelos estudantes das universidades públicas: 852 euros. Para o fazer, actualizou o valor de 1200 escudos previstos num decreto-lei de 1941.

Em 1941, a Europa estava em guerra e o Estado Novo organizava a exposição do mundo português. A Universidade era privilégio de uns poucos ricos.

Em 2003, há universidades em risco de fechar por falta de alunos. A universidade é possível para os menos pobres.

Como é que os políticos e os reitores podem aceitar que a sua incapacidade de decidir os leve a justificar uma decisão actual com uma decisão do Estado Novo em 1941?

Quanto Estado Novo subsiste ainda nas universidades e governos deste país?

quinta-feira, setembro 04, 2003

Que professores queremos?

Em 1988 passei várias semanas em Leiria a dar aulas de informática em cursos financiados pelo Fundo Social Europeu. Havia uma pastelaria com música ambiente e servia de ponto de encontro a vários professores do liceu.

Uma das professoras que encontrei na pastelaria dava aulas de física e química. Como sabia pouco da matéria, lia o livro um pouco antes dos alunos.

Uma vez, contou-me como tinha ficado espantada ao ler que a luz viajava em linha recta. Teve que se convencer fazendo a experiência sugerida no livro, ou seja:

  1. Furar três cartões opacos.
  2. Colocar os três cartões no caminho de uma fonte luminosa, por exemplo, uma vela.
  3. Verificar que só se vê a luz da vela quando os buracos dos cartões estão alinhados.

Para mim, já era um espanto que um adulto não soubesse que a luz se propaga em linha recta. Mais espantado fiquei por esse mesmo adulto querer ensinar física!

Outra vez, contou-me a experiência do sódio. Em química, fazia-se uma experiência que consistia em embrulhar sódio numa prata de tabaco e deixá-lo cair num copo de água: o sódio arde violentamente em contacto com a água, de forma que saltita sobre a água dentro da sua prata. Lembro-me de ter assistido a essa experiência uns anos antes, como aluno.

Para se precaver, a nossa professora resolveu fazer a experiência sozinha antes de a fazer com os alunos. Nas palavras dela, cortou "uma pequena quantidade de sódio, do tamanho de uma moeda de 25 tostões". Ora saiba o leitor que a quantidade certa seria de poucos milímetros cúbicos; portanto ela cortou uma quantidade de sódio talvez 100 vezes maior que o necessário... Assim que o sódio embrulhado tocou na água, gerou-se tal calor que o sódio saltou para a outra ponta da sala e partiu o vidro do infeliz armário que lá estava.

Compreendendo que tinha feito algo mal, embora sem saber o quê, a nossa professora resolveu livrar-se da prova do crime: de forma que deitou o sódio na sanita e puxou o autoclismo...

Resultado: o edifício foi evacuado durante o resto da manhã, até se dissiparem os vapores libertados!

Conclusões em forma de pergunta:

  • Quantos professores ainda existem neste país com habilitações semelhantes à "professora" desta história?
  • Quantos desses "professores" estão vinculados à função pública, tirando o lugar a professores qualificados?
  • Quantos desses "professores" insistem em candidatar-se ano após ano, quer consigam trabalho quer não, por serem incapazes de fazer seja o que for, incluindo ensinar?

Não sei do que precisa a educação neste país, mas sei que não precisa de professores assim!