Emprestada por um amigo, chegou às minhas mãos o número 0 da nova revista económica Mais Valia. Como incluía um texto do João César das Neves, o meu interesse foi imediato.
A revista começa com um editorial de Camilo Lourenço que enuncia a linha editorial da nova revista, realçando em particular que "Quem não tiver custos baixos e qualidade desaparecerá. O mercado não perdoa".
Nada posso afirmar quanto aos custos baixos, mas houve alguns aspectos da qualidade que me surpreenderam pela negativa. Passo a enumerar.
O sumário e os pequenos artigos iniciais estão nas páginas pares, enquanto a publicidade ocupa as correspondentes páginas ímpares. Isto para mim é um insulto ao leitor, afirmando que a exposição do leitor à publicidade é mais importante que a facilidade de o leitor encontrar o próprio conteúdo da revista. Haja respeito pela facilidade de navegação do leitor na revista.
A página 8 inclui um anúncio da Microsoft com uma comparação directa entre os servidores Windows e Linux, sendo que o estudo foi encomendado pela Microsoft. Noutros países onde esta publicidade foi feita, este tipo de estudos encomendados criou celeuma pela sua falta de objectividade. Pior, creio que em Portugal são proibidos anúncios com comparações directas entre empresas. Ou seja, a Microsoft poderia dizer "Os nossos servidores são os melhores" mas não poderia dizer "Os nossos servidores são melhores que os da marca X". Não sei se alguém se levantará para defender o Linux nos tribunais, mas este anúncio está certamente no limite do que é legal e ético em Portugal. É um péssimo sinal que a Mais Valia tenha aceite este anúncio.
As páginas 20 a 24 contém o artigo de opinião do João César das Neves. Uma das coisas que notei ainda antes de ler o artigo foram os três gráficos sobre o défice do orçamento, o destino das exportações e a evolução do produto per capita. Esperava, portanto, um artigo particularmente bom e alicerçado nos ditos gráficos. Que desilusão! O artigo não faz qualquer referência directa aos gráficos, que parecem ter sido incluídos apenas para efeitos decorativos. E, nas páginas 21 e 24, dois erros ortográficos: "competividade" e "longíqua"! Os gráficos mentem, ao criar uma expectativa que o artigo não cumpre. E os erros ortográficos são inaceitáveis em qualquer publicação que passe por um computador.
Li o resto da revista com menos atenção, pelo que me vou abster de comentários precisos. No entanto, fui várias vezes surpreendido por comentários num tom coloquial que parece mais apropriado às revistas cor-de-rosa cujo jornalismo o editorial afirma rejeitar.
Em jeito de conclusão, acho que os artigos maiores têm interesse e justificam o número 0 a revista. Infelizmente, a falta de respeito pelo leitor contraria os princípios do editorial. O mercado, obviamente, decidirá. Pela minha parte, após saber que não posso confiar no bom aspecto dos artigos, dificilmente pagarei os €2,5 pedidos.